LINHA DO TEMPO

Eventos Relacionados ao Contexto Histórico da Revolta de Trombas e Formoso



1- “Marcha para Oeste”- A ocupação no estado de Goiás 

Criada em 1918, por meio da política nacionalista do Estado Novo, “A Marcha para Oeste” tinha como intuito ocupar os imensos vazios demográficos existentes no centro do país. A proposta fazia parte da política desenvolvimentista implantada por Getúlio Vargas, a qual tomava como bandeira a unidade e a segurança nacional.

Nesse sentido, o Estado patrocinou a incorporação de Goiás ao processo produtivo, como fornecedor de gêneros alimentícios e absorvedor de excedentes populacionais. Para tanto o governo de Goiás, tendo a frente o interventor Pedro Ludovico Teixeira, promoveu a implementação da infra-estrutura básica para a ocupação do estado. Uma das primeiras ações dentro da perspectiva de colonização foi a criação, em 1941, da primeira colônia agrícola do estado de Goiás, a Colônia Agrícola Nacional (CANG), no município de Ceres. Subsequente a ela, outras CANGs foram surgindo, na década de 50, nos municípios de Rubiataba, Rialma e Carmo do Rio Verde. 

A política de colonização ganhou força com a ajuda do rádio como difusor e meio propagandista. Anúncios como “Lavrador sem terra, venha para Goiás, trabalhar na sua terra doada pelo governo” instigaram o desejo de camponeses cansados da exploração dos arrendos e ansiosos por terra própria. No entanto, o governo não explicava que as doações eram apenas para áreas de colonização. Até 1960, as conhecidas CANGs abrigaram pouco mais de 40 mil pessoas, as quais não comportaram um fluxo migratório de mais de 400 mil. Sem espaço, muitos famílias oriundas do Maranhão, interior do Piauí e sertão baiano ocuparam o meio-norte de Goiás, da qual a região de Trombas e Formoso faz parte. Trombas e Formoso alojou grande parte do excedente das colônias agrícolas, principalmente da de Ceres.

Fonte bibliográfica: A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro.

A Sobrevida da Marcha para Oeste, de Andréia Aparecida Silva De Pádua

 

2- Construção da rodovia Transbrasiliana

Pensando numa infra-estrutura básica para a implementação do projeto de colonização do interior do país, nasce o projeto de construção da rodovia Transbrasiliana. Dentre as ações do estado, respaldadas pela política de integração nacional, iniciou-se a implantação de um sistema viário capaz de ligar o centro-oeste e o meio-norte as demais regiões do país.

A rodovia significou o fim do isolamento secular do estado de Goiás, inserindo-o no centro econômico do país e viabilizando significativa expansão agrícola da região. A Transbrasiliana alcançou Uruaçu em 1938, quando chegam as primeiras estradas no médio-norte goiano.

Bernardo Sayão era engenheiro da rodovia e sua obra fez com que grande parte das terras no entorno da rodovia se supervalorizassem e se tornassem alvo de disputa de fazendeiros locais. A região de Trombas e Formoso, que na época fazia parte do município de Uruaçu, possuía faixas de terras devolutas que passaram a ser visadas tanto por fazendeiros como por migrantes da região.

Fonte bibliográfica: A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro

Uruaçu no tempo e no espaço... um isolamento? de Gercinair Silvério Gandaral

 

3- Trombas e Formoso: primeiras migrações 

Todo processo de migração passa pela possibilidade de acesso a terra, sejam nas colônias agrícolas ou fora delas, esse sempre foi o ponto de partida para milhares de camponeses. Os movimentos migratórios coincidiam com a expansão capitalista, a qual foi incapaz de absorver toda a população, expulsando parte dela para fora dos limites econômicos. 

A migração em direção a Trombas e Formoso não foi diferente. Iniciado em 1948, o processo de ocupação na região possibilitou aos camponeses oriundos de estados nordestinos como Maranhão, Piauí, Bahia e Ceará a posse de terras devolutas. Muito mais do que o desejo por mudança social, estes camponeses acreditavam na terra como forma de libertação social, sem arrendo e sem patrão.

No período de maior fluxo migratório, a ocupação na região chegou a atingir uma média de 6 famílias por dia, as quais tinham direito a um pedaço de terra que variava entre 30 a 200 hectares. 

Fonte bibliográfica: 

A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro

Os Donos da terra: A Disputa Pela Propriedade e pelo destino da fronteira – A Luta Dos Posseiros Em Trombas E Formoso 1950/1960, de Cláudio Lopes Maia

 

4- Caso Nego Carreiro 

O incidente com Nego Carreiro foi o estopim do conflito de Trombas e Formoso e marcou a disseminação da luta de modo notório. Naquele contexto, os grileiros já cobravam a taxa de arrendamento e os posseiros começavam a se mostrar contrários ao abuso de poder. 

Sempre em épocas de colheita, os grileiros acompanhados dos jagunços iam cobrar as taxas de arrendo. Na ocasião, o grileiro João Soares (homônimo de João Soares membro do PCB enviado a região), o Soarão, estava acompanhado de uma tropa de jagunços liderada pelo sargento Nelson. Eles chegaram às posses do Nego Carreiro exigindo o pagamento dos 30% da produção.

Valente e inconformado com a injustiça, Carreiro se recusou a pagar a taxa e logo se viu ameaçado pela comitiva de Soarão. Mas antes mesmo que o sargento Nelson tirasse a arma do coldre, Nego Carreiro sacou a “garruchinha”, dando um tiro certeiro na testa do policial. O conflito teve o saldo de um sargento morto com um tiro na testa e um soldado com uma orelha a menos. A partir daí, a região transformou-se em um campo de luta.

O fato obteve enorme repercussão e resultou na organização política e militar dos posseiros com a colaboração de membros do partido comunista. Os enfrentamentos

entre grileiros e camponeses se intensificaram. Para garantir a posse das terras os camponeses promoveram a formação de táticas de luta criativas, que ultrapassaram as dificuldades com os precários armamentos e as escassas munições. A organização ainda permitiu a formação de uma impressionante rede de comunicação, no qual o “boca a boca” se revelou um rápido sistema de informação que possibilitava a disseminação de uma ordem em menos de 48 horas para todas as bases. 

Fonte bibliográfica:

A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro

Depoimentos de Valter Valadares e Dirce Machado

Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas, de Paulo Ribeiro Da Cunha

 

5- Batalha da Tataíra 

Ocorrido em 1954, a Batalha da Tataíra foi o principal confronto armado da revolta de Trombas e Formoso. O conflito resultou de uma forte represália dos grileiros após o justiçamento do farmacêutico, Joaquim de Alencar, delator do movimento. A intenção era aprisionar os principais líderes e expulsar os camponeses da região. Para isso fizeram mulheres, crianças e idosos de reféns. 

Os jagunços forçaram a entrada das pessoas em dois caminhões, as quais foram presas e amarradas na carroceria dos veículos. Enquanto isso, os camponeses estavam escondidos nos piquetes em grupos de seis e viram na resposta armada a única alternativa para por fim no episódio. Os camponeses deram alguns tiros para o alto e recuaram, enquanto os policiais atiravam entre si. Os grileiros desertaram e abandonaram os caminhões carregados de balas e fardos de carne, junto com as mulheres, velhos e crianças. 

A polícia se viu desmoralizada, com uma tropa de mais de 60 soldados bem armados sendo derrotada por homens com pouca arma e de má pontaria. O movimento ganhou fama ao ter sido classificado pelo comandante do destacamento como movimento de “força incalculável”. Força de pouco mais de seis homens. Depois do evento ninguém mais entrava e ninguém mais saia. A 

Batalha da Tataíra ocorreu na região conhecida como Sapato e levou o nome do córrego que passava pelo local.

Fonte bibliográfica:

A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro

Depoimento de Dirce Machado e Arão de Souza Gil

 

6- Fundação da Associação e dos Conselhos de Córregos

Em Abril de 1955 foi fundada a Associação dos Trabalhadores e Lavradores Agrícolas de Formoso e Trombas. A associação funcionava como um Conselho Geral e tinha como propósito orientar a luta dos posseiros, sendo o centro de execução das decisões tomadas a partir das votações e deliberações de cada Conselho de Córrego.

O principal projeto elaborado pela Associação foi o de assentamento das famílias que chegavam à região. Os mutirões eram uma forma de mobilização solidária, que apoiavam os recém-chegados e auxiliavam os camponeses em possíveis dificuldades com o plantio ou colheita.

As famílias eram assistidas desde local e tamanho da posse até a construção da moradia, além de assistência médica e alimentos até a primeira colheita. Os recém-chegados também eram integrados a algum grupo de trabalho, visando a consolidação do coletivo, evitando qualquer tipo de aliciamento por parte dos grileiros, que poderiam coagir ou subornar os novos chegantes sem experiência.

Os Conselhos de Córrego surgiram em meados de 1957, eram como extensões da Associação e tinham por objetivo facilitar a ação da mesma e dinamizar as tarefas e as atividades desenvolvidas. Eram 25 conselhos, sendo os principais os córregos de Ismeril, Corrente, Onça, Trombas, Sapato, Lajinha e Laje Grande. As reuniões dos conselhos ocorriam a cada 30 dias e a do Conselho Geral a cada 60.

Fonte bibliográfica:

A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro 

Depoimento de Manoel de Souza Castro

Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas, de Paulo Ribeiro Da Cunha

 

7- Trégua 

Logo após a vitória da Tataíra, houve um momento de trégua entre grileiros e posseiros. De maio de 1956 a fevereiro de 1957 não houve mais conflito ou troca de tiros, foi a primeira vez que se comemorou vitória. A trégua serviu para fortalecer a organização entre os posseiros. Nesse período se estipulou o tamanho das posses em até 103 alqueires. Se a posse fosse próxima ao povoado poderia ter até 50 e se fosse mais distante poderia ser entre 50 e 103 alqueires. 

Ainda durante a trégua, a Associação se tornou mais forte, de forma que somente 10% de toda região não colaborava com o grupo. A qualidade de vida aumentou com as boas safras e a grande fartura. O excedente da produção dos camponeses ia para a Associação, onde se decidia coletivamente o destino que o dinheiro levaria. O excedente era investido principalmente em auxílio aos camponeses, na construção de estradas e escola, na compra de remédio e em consultas médicas. 

Fonte bibliográfica:

A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro

 

8- Distribuição dos títulos das terras 

A entrega dos títulos ocorreu em 18 de Agosto de 1962. Na ocasião, o governador Mauro Borges foi recebido com festa em Formoso, para a entrega dos primeiros 129 títulos de propriedade. A entrega dos títulos ocorria na mesma cidade que, no período da luta armada (1955-1957) havia sido a base de organização dos grileiros. 

No entanto, de acordo com o professor Cláudio Maia, as terras entregues tiveram efeito simbólico, já que não reconheciam os direitos formais dos camponeses. Isso porque Mauro Borges teria comprado a fazenda Onça dos grileiros para revendê-la aos

posseiros. Por isso, não teria sido o Estado quem viabilizou a vitória dos posseiros, ele teria apenas possibilitado a consolidação limitada do direito dos mesmos. 

Segundo o professor, a vitória e o recebimento dos títulos só foram possíveis através da vitória pela luta armada, consolidada em 1957. Ele explica que foi a solidariedade camponesa que tornou crível o direito a terra sem concessão e, mais do que isso, a representação positiva da figura do posseiro.

Fonte bibliográfica: 

Os Donos da terra: A Disputa Pela Propriedade e pelo destino da fronteira – A Luta Dos Posseiros Em Trombas E Formoso 1950/1960, de Cláudio Lopes Maia

 

9- Eleição de José Porfírio 

Logo após a titulação da terra, José Porfírio se candidatou a deputado estadual de Goiás pelo PTB. A vitória veio em 1962, com 4.663 votos, de acordo com levantamento do jornal O Movimento. Foi a primeira vez, na história do Brasil, que um camponês se elegeu deputado. Porfírio foi ainda presidente de dois congressos de camponeses, em 1962,em Goiás e, em 1963, em Belo Horizonte. José Porfírio representava as aspirações do campesinato de Goiás, tomando como bandeira a “Reforma Agrária Radical”, na lei ou na marra.

Fonte bibliográfica:

A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro

 

10- Ditadura Militar 

O ano de 1964 marcou o processo de desarticulação do movimento de Trombas e Formoso. O golpe militar e a entrada da ditadura no país caracterizaram um período de repressão e desmantelamento não só das organizações sociais urbanas, mas também, das camponesas, em todo o país. Se antes a região de Trombas e Formoso vivia um período de paz com a demarcação de terra e o recebimento dos títulos, tudo se acabou com o golpe. 

Em 18 de Abril de 1964, os principais líderes da revolta se reuniram com os camponeses para se posicionarem quanto à questão. Foram apresentadas duas propostas: resistir ou fugir. Foi uma noite de muita discussão e após votação, decidiu-se pela retirada. Os líderes se dividiram em três grupos, cada qual sem saber para onde os outros dois iriam. Logo em seguida, começaram as perseguições, as torturas e as prisões. Em 1971, Porfírio foi encontrado e preso.

Já em 1972, em apenas um dia de operação mais de 50 pessoas foram presas, com exceção de João Soares. Todos foram levados para o PIC, em Brasília. A maioria foi solta, no entanto, Porfírio, Geraldo Marques, Geraldo Tibúrcio, José Ribeiro e Bartu permaneceram em cárcere. Depois de muita tortura, os líderes foram liberados, com exceção de José Porfírio que veio a desaparecer. 

A vitória foi interrompida, mas a memória e a luta continuam.

Fonte bibliográfica:

A Revolta de Trombas e Formoso, de Maria Esperança Fernandes Carneiro.